Comentei na minha coluna na Rádio USP de 16/4 a sp-arte 2018 e destaquei a obra Brasília (2018) do artista Bruno Faria. Bruno trabalhou com a Galeria Periscópio Arte Contemporânea, de Belo Horizonte, e participou do setor “Solo” da sp-arte, reservado a galerias interessadas em desenvolver projetos focados em um único artista. Levou para o pavilhão da Bienal, onde a feira acontece há anos, uma velha Brasília, bastante combalida, enferrujada e empoeirada, da época do seu lançamento, em 1973.

O carro ficou exposto em uma plataforma giratória, dessas típicas de feira de automóveis, e em uma parede do estande o artista pendurou o anúncio do seu lançamento pela Volkswagen do Brasil. “Foi muito mais fácil comprar o carro que encontrar a propaganda”, conta Bruno, que pesquisou durante meses revistas do ano de 1973 na Biblioteca Mario de Andrade e depois saiu à caça, em sebos, atrás de uma revista Manchete daquele ano que trouxesse a propaganda exposta no estande.

Em sintonia com o ufanismo do governo militar, o slogan da peça publicitária dizia: “Brasília – Ainda não apareceu ideia melhor”. O carro foi um dos primeiros criados pela empresa fora da matriz e, conforme fica claro no texto do anúncio, pretendia refletir o arrojo da então moderníssima capital, na época com 13 anos. Era apresentado como um produto robusto, eficiente, como tudo que a Alemanha sempre fez, porém adaptado às condições de tráfego nacional, com todas as qualidades da mecânica VW, mas chancelado por uma “marca que conhece o nosso chão”.

Esse verdadeiro coquetel de signos que aparece nesse texto publicitário traduz o contexto dos anos 1970 do lançamento do Brasília, da ideologia do “Brasil potência” que marcou o “Milagre econômico brasileiro” (1967-1973), período que entrou para a história como um momento de forte crescimento do PIB, disparada da inflação e aumento da concentração de renda e desigualdade social.

Mas ver hoje uma perua Brasilia caindo aos pedaços, no meio do saguão de um prédio modernista, no contexto de uma feira de arte, no auge da crise que estamos vivendo é desconcertante.

Afinal, Brasília, a capital, e não o carro, ao menos como projeto, foi em um determinado momento, uma utopia, desde a macroescala da concepção do Plano Piloto até a micro das superquadras. Há um debate, entre os professores Guilherme Wisnik e Pedro Fiori Arantes, promovido pela revista Serrote e que está on-line, em que eles discutem esse tema e também o esgotamento desse modelo urbanístico. Contudo, o desconcerto que o carro Brasília de Bruno Faria provoca é de outra ordem. É uma imagem de sucateamento total. Econômico e social. Traduz visceralmente o que estamos vivendo. Parafraseando o Bruno, eu diria: Brasil, ainda não apareceu retrato melhor.

Bruno Faria
sp-arte
Niemayer, Lucio Costa e Brasília, por Guilherme Wisnik e Pedro Fiori Arantes (vídeo 4)
Milagre Econômico Brasileiro

Transcrição da coluna semanal Ouvir Imagens, transmitida pela Rádio USP.
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