Boccioni: Continuidade no Espaço, em cartaz no MAC-USP, é uma mostra de fundamental importância não só para as pesquisas no campo da História da Arte, mas também para a reflexão sobre as funções dos museus universitários no quadro das políticas culturais

Visitei a exposição Boccioni: Continuidade no Espaço, em cartaz no MAC-USP. A mostra, que tem curadoria de Ana Gonçalves Magalhães, docente curadora do MAC, e Rosalind McKever, do Victoria & Albert Museum, de Londres, é o resultado de uma pesquisa multidisciplinar e inédita das curadoras.

A exposição gira em torno da escultura Formas Únicas da Continuidade no Espaço, que integra a coleção do Museu de Arte Contemporânea da USP e é a mais celebrada do pintor e escultor futurista italiano Umberto Boccioni, marcando o ponto mais alto da tentativa de Boccioni de dar vida à escultura, criando figuras em movimento.

Boccioni foi um artista revolucionário no campo da escultura, que procurava solucionar todos os aspectos da forma dinâmica na linguagem tridimensional. O movimento de um corpo humano no espaço é estudado por Boccioni de forma intensiva. E esse estudo é levado ao limite nessa obra, Formas Únicas de Continuidade no Espaço, e é um corpo que avança, determinado, no espaço do espectador.

A escultura, foi feita em gesso, um material frágil que contraria a tradição da escultura tradicional, mas que responde a princípios caros a vários artistas Futuristas que conclamavam a destruição de suas obras por artistas posteriores e mais inovadores, em detrimento à sua preservação em museus.

A fragilidade material de Formas Únicas da Continuidade no Espaço, combinada à morte prematura de Boccioni, aos 33 anos, durante exercícios militares na Primeira Grande Guerra, transformaram a história dessa obra num verdadeiro jogo de enigmas e impasses mercadológicos que essas mostra desvenda.

A maior parte da obra de Boccioni foi destruída no fim dos anos 1920 e entre os anos 1930 e 1970 foram feitas algumas cópias em bronze, apesar da aversão de Boccioni por esse material. Como uma obra de arte reprodutível, explicam as curadoras no texto de abertura da mostra, “tornou-se popular e cobiçada e no mercado de arte, alimentando a confusão sobre seu material original.”

Com estudos de Raios X e técnicas avançadas de investigação e leitura de materiais desenvolvidas no Instituto de Física, modelagens sistematizadas na POLI, combinadas a estudos de documentos e fotografias do ateliê de Boccioni, provenientes de arquivos de instituições do Brasil, Itália e Estados Unidos, foi possível identificar que a escultura em gesso do acervo do MAC-USP é a que foi exibida pelo artista em 1913.

A exposição em cartaz no MAC-USP mostra todo esse processo investigativo. É uma mostra de fundamental importância não só para as pesquisas no campo da História da Arte, mas também para a reflexão sobre o lugar e as funções dos museus universitários no quadro das políticas culturais.

Não se trata aqui de uma mostra espetacular, no sentido que a indústria do entretenimento dá a esse termo, mas de uma exposição laboratorial, na qual o museu divulga e compartilha o estudo de uma obra de seu acervo, revelando as interlocuções entre a pesquisa e a curadoria.

A exposição fica até 24 de março de 2019, de 3a a sábado, das 10 às 21h.

Transcrição da coluna Ouvir Imagens, de Giselle Beiguelman, veiculada toda segunda-feira, às 8:00, pela Rádio USP (93,7).

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