Falar de 1968 é falar de arte, política e também de cassações. Isso porque para nós, brasileiros, o ano de 1968 ficou diretamente relacionado à promulgação do AI-5. O Ato Institucional Número 5 suprimiu uma série de garantias individuais e inaugurou o período mais duro da repressão na ditadura. Marcou profundamente boa parte dos anos 1970.

Mas é impossível falar de 1968 e não associar, também, esse ano com o Maio de 68 francês. O levante estudantil, que levou mais de 20 mil jovens às ruas de Paris, estabeleceu um corte geracional, chamando a Criatividade ao Poder. 1968 é o ano, ainda, do assassinato de Martin Luther King, nos EUA, e remete a obras fundamentais do Cinema Novo…

1968 em campo expandido

Em um sentido ampliado, 1968 é o resultado de uma série de lutas por direitos civis, como a dos negros nos EUA, das reivindicações feministas, e de intensas revoluções estéticas e comportamentais, que acontecem um pouco antes e reverberam muitas décadas depois. Nessa perspectiva, é preciso pensar 1968 de forma processual e não como um ano em si.

No Brasil, nessa visão de 1968 em um campo expandido, eu destacaria a obra Tropicália de Helio Oiticica, de 1967, que levou a arquitetura das favelas para dentro do prédio modernista do MAM do Rio de Janeiro. Lembraria de Terra em Transe (no destaque deste post), também de 1967, de Glauber Rocha.

E como não falar da música? Deveria acabar esta coluna com Panis et Circencis, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, interpretada pelos Mutantes. A música, um rock psicodélico genial, é de 1968, e faz uma crítica mordaz aos valores morais da época. Mas vou terminar com uma outra, Aquele Abraço (1969), de Gilberto Gil.

É que Aquele Abraço tem para mim um sentido de homenagem, além do contexto de época. Esse foi o primeiro disco que ganhei. Foi um presente da minha tia, a Professora Emérita da USP Paula Beiguelman, uma das vítimas das cassações da ditadura. E ao homenageá-la, homenageio a todos os outros 218 professores e pesquisadores que foram aposentados pelos atos complementares ao AI-5.

A democracia está longe de ser um regime perfeito, mas não há nada que compense a supressão da liberdade.

Aquele Abraço, Paula.

Transcrição da coluna Ouvir Imagens, de Giselle Beiguelman, veiculada toda segunda-feira, às 8:00, pela Rádio USP (93,7).

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